O TEMPO PASSA RÁPIDO, ESCORRE PELAS MÃOS? OU SERÁ QUE A SUA VIDA É QUE ESTÁ RÁPIDA DEMAIS?
Vamos com calma, devagar...desacelere e leia esse maravilhoso texto, depois mude o "seu tempo", para melhor!
Mais rápido, mais rápido, mais rápido
PUBLICADO NO VALOR ECONÔMICO em 23/8/2013
Por Alexandre Rodrigues
Primeiro
quase não havia o tempo. Ainda que o avanço do dia pudesse ser medido
pelos relógios de sol e da noite pelos de água (parecidos
com esses que ainda enfeitam shopping centers), os horários mais
confiáveis ainda eram a alvorada, o sol a pino e o anoitecer. Por
milênios, para as civilizações, medir o tempo - exceto os responsáveis
pelos sinos das igrejas que anunciavam as missas - nunca
foi propriamente uma obsessão. Então, em algum ponto entre os séculos
XVIII e XIX, a história mudou. Máquinas e fábricas e, mais tarde, trens e
cabos telegráficos lançaram o mundo em um ritmo de vida com relógios,
horários e pressa, muita pressa - a revolução
industrial.
Dois
séculos depois, a humanidade vive uma doença do tempo, afirma o
sociólogo alemão Hartmut Rosa, em "Beschleunigung und Entfremdung"
(aceleração e alienação), ensaio ainda não publicado no Brasil. Fazendo
eco a uma reclamação generalizada, ele aponta que o excesso de
atividades anulou os ganhos que a tecnologia trouxe ao tempo das
pessoas. O resultado é uma epidemia mundial de estresse,
ansiedade e insônia.
"Vivemos
para realizar tantas opções quanto possível da paleta infinita de
possibilidades que a vida nos apresenta", diz. Viver intensamente
a vida se tornou o principal objetivo do nosso tempo. "No fim do dia,
nunca fizemos todas as coisas que deveríamos ter feito. Não trabalhamos o
suficiente, não nos importamos o suficiente com as nossas crianças e
pais, não estamos em dia com as notícias. O
número de dimensões em que é suposto 'otimizar' a nossa vida,
literalmente, explodiu nos últimos anos e não importa o quão rápidos e
eficientes somos, nunca é o suficiente."
"a
humanidade vive uma doença do tempo", afirma o sociólogo alemão Hartmut
Rosa
Rosa,
autor de outros trabalhos sobre a velocidade na vida moderna e
professor da Universidade de Jena, na Alemanha, aponta que nosso
atual ritmo de vida é fruto de três tipos de aceleração: mecânica, da
mudança social e do passo da vida. Iniciada com a revolução industrial, a
aceleração mecânica modificou as comunicações, a produção e os
transportes. Como consequência, provocou mudanças
nas sociedades que alteraram o ritmo da vida. Resultado: mais
aceleração.
Se
de Júlio César a Napoleão a velocidade máxima para alguém ir de um
ponto ao outro continuou a mesma - a de um cavalo -, os motores,
primeiro nos trens e navios no século XIX, depois nos aviões e
automóveis cem anos depois, encurtaram distâncias e aproximaram o mundo.
O mesmo ocorreu nas comunicações a partir da invenção do telégrafo. As
fábricas adotaram os horários para organizar a produção
e a humanidade ganhou uma companhia: os relógios. Os operários agora
precisavam morar perto do trabalho e isso os agrupou nas cidades,
criando as metrópoles modernas.
Vistas
na época, essas mudanças traziam a promessa de que seres humanos
finalmente seriam capazes de moldar sua vida em comum e criar
sociedades que os pensadores clássicos e da Renascença tinham
imaginado. O resultado deveria ser uma era de razão em que a felicidade,
a prosperidade e a liberdade deveriam ser para todos. No entanto, desde
o início, quanto mais a tecnologia economizava tempo,
mais ocupados todos se tornaram.
"A
lógica da competição militar e dos Estados teve um papel nisso, e a
ideia de que podemos ter algo parecido com uma 'vida eterna
antes da morte' se a gente for rápido o bastante para fazer um número
indefinido de coisas antes de morrer, também", explica Rosa. Mas o papel
mais importante é do capitalismo. "Para crescer, economias capitalistas
precisam acelerar e inovar incessantemente.
Se param de crescer e acelerar, perdem empregos, empresas fecham as
portas, as receitas do Estado entram em declínio e, como consequência, o
sistema político perde legitimidade."
Esse
processo, que já seguia em ritmo forte desde a revolução industrial,
adquiriu uma velocidade alucinante a partir dos anos 1970,
com a revolução dos computadores. Cada nova tecnologia passou a ser
anulada pela produtividade. E com a globalização não só trabalhadores,
mas também países, entraram em competição. "Como o trabalho cada vez
mais especializado aumenta a produção, aumenta a
quantidade de produtos e serviços que precisam ser consumidos", diz a
dupla de sociólogos americanos John P. Robinson e Geoffrey Godbey. O
resultado é um impulso para o consumo constante, seja de produtos,
serviços ou viagens.
Em
resposta, a própria percepção do tempo começou a mudar. James Tien e
James Burnes, professores de matemática aplicada do Instituto
Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos, analisaram o crescimento
das estatísticas de produtividade e emissão de patentes em 1897 e 1997
para concluir que a percepção da passagem do tempo para um jovem de 22
anos é 8% mais rápida do que para alguém da mesma
idade um século atrás. Para alguém com 62 anos, a vida hoje se passa
7,69 vezes mais rápida. A aceleração, dizem outros estudos, continua
aumentando essa sensação.
As
consequências são conhecidas de médicos desde quase o surgimento das
máquinas. No fim do século XIX, denunciava-se uma epidemia
de neurastenia, causada pelo ritmo de vida nas cidades. Com o avanço
dos estudos, Larry Dossey, médico americano, criou, nos anos 80, a
expressão "doença do tempo" para descrever a crença obsessiva de que o
tempo está passando e a única solução é acelerar
o ritmo de vida. Dois psicólogos cardíacos americanos, Diane Ulmer e
Leonhard Schwartzburd, da Universidade de Berkeley, concluíram em um
estudo, "Coração e Mente", que a pressa extrema e constante pode afetar a
personalidade e as relações sociais, levando
também a estresse, insônia, problemas cardíacos e de concentração.
A
sensação de pressa também cria um estado de busca de ganhos imediatos,
mesmo se há chance de uma recompensa maior no futuro, e
reduz a propensão para fazer economia. "Descobrimos que até mesmo a
exposição a símbolos de fast-food pode aumentar automaticamente a
pressa, mesmo sem a pressão do tempo", diz Chen-Bo Zhong, psicólogo
canadense da Universidade de Toronto que conduziu, com
Sanford E. DeVoe, o estudo "Fast-Food e Impaciência". No Japão, onde a
pressa se junta à pressão social, colapsos são tão comuns que há no
vocabulário uma palavra, "karoshi", para os casos de trabalhadores que
morrem com sobrecarga de trabalho.
Economistas
se deram conta do fenômeno depois que o sueco Staffan Linder
(1931-2000), publicou, nos anos 70, "A Classe Ociosa Atormentada",
prevendo que os trabalhadores se tornariam atarefados demais para o
lazer. Décadas depois, não só as previsões se confirmaram - segundo a
socióloga americana Juliet Schor, 37% do tempo de lazer foi perdido nas
nações industrializadas desde meados dos anos
70 - como a aceleração tecnológica mudou drasticamente a economia.
"Tem
sempre um mercado aberto. Tem que estar sempre ligado no celular ou
Skype", comenta Gabriel Franke, operador de mesa da corretora
XP Investimentos. Com o "home broker" e as bolsas eletrônicas, cotações
mudam segundo após segundo, afetando todos, e as negociações nos
mercados podem seguir em qualquer hora ou lugar. "Às vezes tem cliente
que está posicionado numa operação que tem influência
de mercado lá fora e aí fico de olho mesmo. E alguns mercados, como o
de moedas, nunca fecham." Tempo para o lazer? "Acabo tendo algum no
domingo."
Os
efeitos são ainda mais sentidos no mundo digital. Segundo Eric Schmidt,
CEO do Google, o volume de informação produzida entre
o início das civilizações e 2003 hoje é criado a cada dois dias. A
capacidade de processamento dos computadores, seguindo a chamada Lei de
(ex-presidente da Intel Gordon) Moore, continua a dobrar a cada 18
meses. Mas também há aceleração drástica no crescimento
da população (o número de pessoas nascidas desde 1950 é o mesmo dos
primeiros quatro milhões de anos da humanidade) e até no número de
doenças descobertas (28 novas infecciosas desde os anos 70, de acordo
com a Organização Mundial de Saúde).
A
aceleração, porém, não é a mesma para todos. Em um estudo chamado "A
Geografia do Tempo", o psicólogo social americano Robert Levine,
da Universidade da Califórnia, pesquisou a maneira como os habitantes
de 31 cidades pelo mundo vivenciam o tempo. Em um exercício curioso, os
pesquisadores mediram a velocidade das pessoas para percorrer um trecho
de 18 metros. Os japoneses caminham mais apressados.
Os brasileiros - ele viveu por um ano no país e se sentiu torturado
pela falta de pontualidade local - ficaram com o 28º lugar. Em um
trabalho parecido, pesquisadores da Universidade de Hertfordshire, na
Inglaterra, concluíram que a cada dez anos as pessoas
faziam o mesmo trecho um segundo mais rápido.
"Embora
eu não tenha dados empíricos, acredito que o ritmo acelerou no país,
mas seletivamente", observa Levine. "À medida que a
agitação atual demonstra, o crescimento econômico permanece limitado a
certas pessoas e lugares e, na maioria das vezes, o mesmo pode ser dito
sobre o ritmo resultante da vida."
Empregos,
relacionamentos, amizades, até laços familiares, nada mais é para
sempre. Um aspecto positivo é que as sociedades se tornaram
mais heterogêneas, com o reconhecimento das minorias, direitos das
mulheres, estilos de vida alternativos e novas formas de relacionamento.
Quanto mais a tecnologia se acelera, mais rapidamente os países, os
ocidentais, por enquanto, se tornam mais plurais.
Hoje, 585 milhões de pessoas vivem em países onde o casamento gay é
legalizado. Doze anos atrás, esse número era zero. Em junho, a Suprema
Corte dos Estados Unidos retirou algumas proteções aos negros
americanos, considerando que não são mais necessárias.
O
lado negativo é o que levou Rosa a escrever o ensaio, um processo que
ele chama de "alienação". O termo, tomado emprestado de Karl
Marx, é o resultado final das mudanças sociais, quando o próprio ritmo
da vida é alterado, exigindo novas tecnologias, que vão criar mais
mudanças sociais e mais alterações do ritmo da vida, como em um círculo
que se retroalimenta. "Alienação envolve um estado
em que as pessoas já não se sentem em casa no seu mundo porque têm que
mudar de lugar, trabalhos, ferramentas, rotinas, amigos e, talvez, até
mesmo famílias o tempo todo", aponta Rosa.
Esse
fenômeno estaria por trás de alguns conflitos sociais da atualidade.
Parte das pessoas, segundo ele, não consegue dar conta
das complexidades do mundo atual e busca refúgio no conservadorismo. Se
não se tornam dogmáticas, radicalizando posições como no conflito
permanente entre democratas e republicanos nos Estados Unidos, propõem,
como ocorre atualmente na Alemanha, o abandono
das discussões em nome da rápida adaptação às mudanças.
Má
notícia para os políticos. Como a sociedade se move a um ritmo cada vez
mais alucinante, há um abismo entre a política e as pessoas.
"Essa fenda é a consequência de uma falta de sincronia entre o ritmo da
política, de um lado, e a velocidade da mudança social no outro. A
política tornou-se lenta demais", reflete o sociólogo alemão. "Em muitos
casos, a política não é mais o marca-passo das
tendências de mudança social, só está preocupada em apagar incêndios."
Trata-se
de uma ameaça às democracias. Os políticos, afirma, estão deixando de
ser relevantes, abrindo espaço ao surgimento de líderes
populistas. Os argumentos saem de cena em troca de ressentimentos e
instintos irracionais. Seria uma das razões que atualmente levam
multidões às ruas em todo o mundo. "O nosso sistema é muito
burocratizado e com várias normas que no fim das contas afastam
as pessoas", faz coro o professor Rafael Alcadipani, coordenador de
pesquisas organizacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), que tem
estudado os protestos recentes no país. "A política precisa dar
respostas e isso não tem acontecido."
Seja
com os artistas e escritores do romantismo, transcendentalistas ou os
do Arts & Crafts, movimentos pela desaceleração acompanham
a própria história da aceleração. Sua versão moderna desde os anos 90
prega a opção pela lentidão. O pioneiro, o movimento "slow-food" (comida
lenta), foi fundado pelo italiano Carlo Petrini em 1986 em reação à
presença de uma filial do McDonald's no centro
histórico de Roma e reage ao fast-food. Inspirados nos
viajantes-escritores do século XIX, os praticantes do "slow-travel"
(viagem lenta) advogam o envolvimento dos turistas com os locais
visitados. Artistas do "slow-art" (arte lenta) produzem - e também
defendem
que seja assim a apreciação das obras - com todo o tempo do mundo.
Há
ainda a "slow-fashion" (rejeita as roupas produzidas em massa,
preferindo as costuradas à mão), o "slow-data" (chega de produzir
tanta informação) e o "slow-stocks" (prega recompensas do mercado aos
acionistas que mantiverem suas ações por mais tempo). Cada um leva a seu
campo a luta contra o relógio. E, como tudo começou com a tecnologia,
por que não reduzir o ritmo da ciência?
Livro "DEVAGAR" de Carl Honoré
"Precisamos
ter tempo para pensar muito cuidadosamente sobre cada avanço científico
- a fim de descobrir a melhor maneira de usá-lo
no mundo real", afirma Carl Honoré, escocês radicado no Canadá, autor
do best-seller "Devagar". Em 1990, ele esperava um voo no aeroporto de
Roma, quando leu um texto chamado "A História de Dormir de um Minuto",
em que autores condensavam clássicos das histórias
infantis para pais sem tempo. Foi o ponto de partida para se tornar um
militante da desaceleração. "Eu não acho que devemos reduzir a ciência.
Pelo contrário. Eu acho que precisamos usar a ciência de forma mais
sensata. E a sabedoria e a lentidão andam de
mãos dadas."
Outra
iniciativa: na Inglaterra e nos Estados Unidos, foi criado o "Banco do
Tempo", onde pessoas trocam serviços, como pequenos
consertos e cuidar de crianças e idosos, por um certo número de horas
que dá direito a contratar outras pessoas para as próprias necessidades.
A solução lembra a premissa do filme "O Preço do Amanhã", do diretor
neozelandês Andrew Niccol, no qual cada humano
precisa comprar mais tempo para seguir vivendo.
"Eu
sou muito cético quanto a esses movimentos", rebate Hartmut Rosa. "Na
verdade, sempre houve movimentos sociais e culturais contra
a alta velocidade da modernidade. Por exemplo, em Paris, por volta de
1900, houve uma moda de andar com tartarugas em uma coleira, como forma
de protesto. Mas, no fim, a velocidade sempre vence."
Resta
ainda a pergunta: aonde a aceleração nos levará? Alguns estudiosos como
Raymond Kurzweil, otimistas, apontam para a singularidade
tecnológica, um grande salto científico, previsto para o século XXI,
capaz de resolver quase todos os problemas - econômicos, ambientais,
sociais. Para o sociólogo alemão, contudo, o pior perigo é a aceleração
se tornar uma forma de totalitarismo. E ele não
tem nenhuma sugestão para controlar o monstro. "No momento eu não tenho
sequer um esboço de como isso poderia ser feito."