quarta-feira, 22 de setembro de 2010

"A ALMA IMORAL" com Clarice Niskier volta a Brasília de 25/9 a 03/10/10

No dia 9/9/10 assisti a peça “A Alma Imoral” no Teatro Nacional em Brasília, com a atuação impecável de Clarice Niskier e baseada no livro homônimo do Rabino Nilton Bonder, que nos traz o questionamento sobre a importância da transgressão para a manutenção da vida. São reflexões sobre o certo e o errado, a obediência e a desobediência, a tradição e a traição, o corpo moral e a alma imoral que transgride para manter esse corpo vivo!
Clarice me lançou num turbilhão de reflexões. Logo de início, ela nos arrebata com sua nudez, despe nossa alma “moral”, nos tira dessa prisão das vestimentas que nos poda, nos restringe, nos limita...
Em seguida nos mostra que esse poder de reflexão é o que nos diferencia dos animais, dizendo: “O macaco que se sabe macaco, não sabe que é macaco. O cachorro que se sabe cachorro, não sabe que é cachorro. A cobra que se sabe cobra, não sabe que é cobra. O homem que se sabe homem, é homem. O homem que não se sabe homem, pode ser qualquer coisa: um macaco, um cachorro ou uma cobra.” Os animais vivem sem refletirem sobre si mesmos (se o animal fica doente, ele não vai parar para refletir “estou doente”), já nós, humanos, pensamos sobre nós mesmos, sobre nossas ações e sentimentos e podemos nos “fazer saber”. O animal vive seu viver e o Homem conduz o seu viver a partir do que pensa, sente e deseja, observando a tudo e a si mesmo! O ser humano tem o poder de se fazer conhecedor da sua essência humana e com isso transcender a si mesmo.
Clarice nos leva a refletir e repensar sobre os conceitos, estereótipos e paradigmas que nos são apresentados desde que nascemos. Ela nos fala sobre a transgressão da alma expressa em atos e condutas que desafiam a moral e a tradição quando essas se tornam uma ameaça ao nosso viver, ao bem viver, ao bem estar.., quando nos levam para lugares estreitos!
O “Corpo Moral” tem a tendência a se acomodar, não gosta de sair, mudar, então encontra formas e caminhos para ficar ali, no mesmo lugar, até esse lugar se tornar estreito! Mas temos o poder de perceber quando o lugar estreitou-se, se tornou apertado e limitado, e que precisamos sair (como o feto que tem que sair do útero da mãe). A estreiteza, a estranheza e o desconforto, o convencem que não tem saída, que algo precisa ser feito!
A “Alma Imoral” tem o dom de romper, transgredir e modificar antigos pilares, já tidos como certos e seguros, tem o dom de soltar as amarras que nós mesmos nos impomos, nós mesmos criamos!
Clarice me mostrou a transgressão como um valor, uma qualidade, e percebi o quanto fui e ainda sou transgressora. Eu sempre fui uma inconformada, sempre questionando as regras, o estabelecido, sempre criando polêmicas, sempre irrequieta, sempre trabalhando o desapego para não aprisionar a alma. Mudei meu viver de origem pobre e de família problemática, mudei de moradia no mínimo umas 25 vezes, mudei de cidade 4 vezes, mudei de trabalho dezenas de vezes em 24 anos e refiz relacionamentos amorosos (tive relacionamentos duradouros e profundos, e outros tantos superficiais mas não menos importantes para minha evolução e transgressão) e soube o momento de sair, exatamente quando o espaço ficou estreito, me limitou!
As regras de conduta, a ética e as leis são essenciais para o viver humano (para operar as relações entre nós), mas as regras precisam ser argumentadas e refletidas a cada momento, até para não corrermos o risco de não sermos humanos nas nossas atitudes e condutas!
Como é importante desafiarmos as tradições, as regras, quando essas se tornam uma ameaça ao nosso bem viver, uma ameaça à sobrevivência, à felicidade, à vida!
Em relação a isso, Clarice nos traz vários exemplos: da tradição Judaica, da Bíblia, do antigo testamento e das historias e parábolas populares e universais, como o Superman e o caso das mulheres judias estupradas por romanos e como a lei foi alterada para abrigar esses filhos como judeus (uma demonstração de humanismo por parte de uma cultura até então com tradições machistas)
Quando aceitamos a realidade como ela é (ou achamos que é), incorremos no erro de desprezamos a imensa diversidade de “realidades” que a vida nos proporciona, e aí corremos o risco de aprisionamos ou anulamos também quem está a nossa volta, sacrificando o “todo” com o nosso individual.


Algumas frases da peça e do livro:
“O surpreender a si mesmo é seduzir os outros nessa surpresa!”
“Haverá pior solidão do que a ausência de si mesmo!”
"Aqueles que se permitem transgressões da alma com certeza são vistos e recebidos pelos outros como estrangeiros. Os que mudam de emprego radicalmente, os que refazem relações amorosas, os que abandonam vícios, os que perdem medos, o que se libertam e os que rompem experimentam a solidão que só pode ser quebrada por outro que conheça essas experiências. A natureza da experiência pode ser totalmente distinta, mas eles se tornarão parceiros enquanto 'forasteiros'."